01.11.19

Quando ação trabalhista vira investimento

“A Justiça do Trabalho tem de ser respeitada e acionada para buscar justiça e não para fazer negócios que locupletam mercenários”

José Pastore,  Eduardo Pastore e  Emerson Casali

O mundo entrou numa era de juros baixos e até negativos. Está longe o tempo em que especular gerava ganhos reais superiores a qualquer outra atividade. Isso vale para o Brasil. A grande maioria das aplicações em renda fixa nos dias atuais mal cobre a inflação anual. E os analistas do setor financeiro dizem que esse quadro veio para ficar. É o novo normal.

Mas a situação no âmbito da Justiça do Trabalho é bem diferente. Quem perde uma ação trabalhista e deixa de pagar imediatamente ou decide recorrer dela terá o valor da sentença acrescido de TR mais juros de mora de 1% ao mês, retroativos à data de entrada da ação na Vara do Trabalho. E há juízes que corrigem pelo IPCA-E + 1%.

Para quem deve, esses juros são devastadores. Por exemplo, um débito de R$ 10 mil, em três anos, aplicando-se a correção de TR 1% ao mês, chega a quase R$ 14 mil. Se o processo demorar cinco anos, da data de entrada até a da sentença do juiz, o valor sobe para mais de R$ 18 mil. Considerando que e tempo médio de uma ação trabalhista, até o seu final, é de cinco a sete anos, pode-se imaginar o quanto cada ação trabalhista “vale” ao final desse período. Calculados com o IPCA-E, a conta vai longe. Isso criou um apetitoso mercado de venda e compra de créditos trabalhistas. Não há dúvida. A tentação é grande para os dois lados. Para quem vende, é a possibilidade de dispor de algum recurso imediatamente. Para quem compra, é a aquisição de uma verdadeira mina de ouro.

Essa prática é nefasta, especialmente quando aplicada a credores incautos ou pouco esclarecidos. Nesses casos, ela ocasiona grave lesão ao direito alimentar do trabalhador, pois, como regra, ele recebe por seus créditos valores menores do que receberia no final da ação judicial. No caso das empresas, inclusive estatais, a demora na solução das ações judiciais transforma tais créditos em uma bola de neve, atingindo valores exorbitantes que comprometem o seu desempenho econômico e reduzem o seu valor patrimonial.

Desde 2017 o Tribunal Superior do Trabalho identificou escritórios de advocacia que compram créditos trabalhistas por valores irrisórios. O ministro Emmanoel Pereira identificou bem que, por trás dessas compras, há modelos de negócios altamente lucrativos. A OAB de São Paulo também alertou os advogados de que essa prática ofende o artigo 5º do Código de Ética da Advocacia.

A raiz do problema está na injustificável correção dos débitos trabalhistas na base de TR (ou IPCA-E) 1% ao mês. Correções nesse nível são predatórias à economia como um todo, exceto para os espertos que descobriram a fórmula de transformar litígios nos investimentos mais rentáveis do país. Essa situação pede uma modificação urgente na fórmula de correção dos débitos trabalhistas. Mais especificamente, há que se atualizar a Lei nº 8.177, que fixa os juros de mora em 1% ao mês. Essa lei é de 1991. De lá para cá, o Brasil mudou muito. Naquele ano, inflação foi 472%! Hoje é 3,5%. Nada justifica ganhos de TR (ou IPCA-E) mais 12% ao ano.

Tudo isso mais do que recomenda acabar com festa injusta que vem sendo imoralmente aproveitada por espertalhões. A Justiça do Trabalho tem de ser respeitada e acionada para ali se buscar justiça e não para fazer negócios que locupletam mercenários. Isso é danoso para o trabalhador, para as empresas e para a própria profissão de advogado.

José Pastore, Professor da Universidade de São Paulo; Eduardo Pastore, Advogado trabalhista;

Emerson Casali, Diretor da CBPI Produtividade Institucional

Artigo: Correio Brasiliense